O
antropólogo e sociólogo suíço Johann Jakob Bachofen foi pioneiro em
trazer à discussão a existência de um período matrístico na história da
humanidade.
Em sua obra intitulada Mother Right [Direito Materno],
publicada em 1861, ele delineou uma nova visão do papel da mulher e da
maternidade na origem dos agrupamentos humanos.
Utilizou como exemplo a
organização das abelhas, afirmando que, assim como toda a colmeia se
organiza em torno da abelha-rainha, os seres humanos primeiramente se
agruparam em torno da mãe.
As
abelhas surgiram junto com as flores e os frutos. A vida das abelhas e
das flores está intimamente associada.
Insetos laboriosos e
disciplinados, sua vida acontece no limiar entre o reino vegetal e
animal, domínios da Mãe Primordial.
Não apenas realizam a importante
tarefa da polinização, como também transformam o néctar das flores em
mel, este alimento divino que, junto com o leite, sempre foi a principal
oferenda às mães-terra.
Quem
faz o trabalho de coleta do néctar são as abelhas-operárias, todas elas
abelhas fêmeas, que também se ocupam da construção da colmeia e dos
cuidados com o berçário, bem como da alimentação e dos cuidados com a
abelha-rainha, personagem central e mais importante da colmeia.
Dela
depende a própria existência da colmeia, não apenas porque ela segrega o
feromônio, substância que possibilita às abelhas-operárias se
orientarem, mas também porque é a única abelha com capacidade de
reprodução.
Nascida
de um ovo fecundado e criada em uma célula especial, sua alimentação
consiste exclusivamente de uma substância rica em proteínas, vitaminas e
hormônios sexuais, que conhecemos como geleia real, o alimento da
rainha.
A partir do nono dia de vida, ela já está pronta para realizar o
voo nupcial, ocasião para a qual escolhe dias quentes e ensolarados.
Em
pleno voo, ela libera feromônio para atrair os zangões de todas as
colmeias das redondezas.
Seleciona os zangões que irão fecundá-la,
voando em grandes altitudes e em alta velocidade, de modo que apenas os
mais fortes e rápidos consigam alcançá-la.
Quando
um zangão alcança a abelha-rainha, acontece a cópula nupcial, ocasião
em que a rainha prende o testículo do zangão, que morre gloriosamente
após fecundá-la.
Em média, a abelha-rainha é fecundada por 6 a 8
zangões, cujo esperma ela armazena e utiliza para a postura de ovos.
Assim
como as abelhas, também os primeiros clãs humanos se agruparam em torno
da mãe, constituindo uma organização social baseada na linhagem
uterina. Neste período matrístico da história da humanidade, a coesão
grupal era assegurada através das mães clânicas. As mulheres mais velhas
do grupo administravam a produção e distribuição dos frutos da terra,
que pertencia a todos.
A
Grande Mãe Primordial era a mãe de toda vida, vegetal, animal e humana.
Os grupos humanos que vagavam pela terra, seguindo as manadas e
coletando os frutos da terra, conheciam-na como Senhora dos Animais,
detentora do poder de assegurar tudo que fosse necessário para uma longa
e boa vida.
Com o advento da agricultura e a domesticação de animais,
durante o neolítico, passou a ser cultuada como a Mãe-Terra, o próprio
solo que nos sustenta, nutre e recolhe.
Uma
das mais antigas representações desta Mãe Primordial nos foi legada
pelos grupos humanos autóctones da Anatólia, região peninsular que
conecta a Ásia com a Europa.
Por volta de 6000 anos antes da era comum,
foi representada como uma mulher nua, corpulenta, com seios fartos,
sentada majestosamente em um trono ladeado por leopardos, dando à luz.
Porção
asiática da moderna Turquia, localizada a leste do Bósforo, entre o Mar
Negro e o Mar Mediterrâneo, a topografia da Anatólia apresenta um
grande planalto central semi-árido, coroado por colinas e montanhas de
difícil acesso.
Seu nome quer dizer “brilho do sol”, atribuído pelos
gregos, em referência à sua localização a leste.
Descobertas
arqueológicas revelaram que a região foi ocupada por diferentes levas
migratórias, até que uma população de origem desconhecida se assentou de
forma permanente, construindo uma das mais antigas cidades até agora
descobertas, datando de 10 mil antes da era comum.
Localizada perto da
atual cidade de Çatalhüyük, as descobertas deste sítio revelaram a
estabilidade e continuidade de uma cultura em que a figura da deusa era o
símbolo central.
Nos santuários de Çatalhüyük, escreve Riane Eisler em O Cálice e a Espada, a deusa é representada tanto grávida quanto dando à luz, acompanhada de animais poderosos, como leopardos e touros.
Ainda
intimamente conectados com a natureza e sujeitos às suas oscilações,
nossos ancestrais procuraram formas de intervir nos ciclos naturais,
para que estes lhes fossem mais propícios.
Utilizando-se da arte mágica,
criaram cerimônias e ritos para assegurar a ocorrência das forças
cósmicas, cerimônias e encantamentos que tinham por objetivo fazer a
chuva cair, o sol brilhar, os animais se multiplicarem e vicejarem os
frutos da terra.
Ao aplicar os mesmos princípios à vida humana,
personalizaram os poderes por trás destas forças cósmicas, criando
sistemas religiosos que abarcavam tanto os processos da natureza quanto a
cultura humana.
A figura da Mãe Primordial, como senhora dos animais e
mãe-terra, foi o primeiro grande poder unificador do mundo natural e
humano.
No
segundo milênio antes da era comum, os hititas conquistaram a península
anatoliana, sendo substituídos pelos frígios, que se fixaram a
noroeste, por volta do século XIV a.e.c.
Assimilando muito da cultura e
da religião dos povos autóctones, os frígios continuaram a cultuar a
grande deusa-mãe, a quem chamaram de Cibele, Mãe da Montanha.
Em sua
iconografia, os leopardos foram substituídos por leões e sua figura
recebeu uma touca cilíndrica e um véu cobrindo o corpo.
Corporificando
as energias reprodutivas da natureza, ela é a grande deusa da
maternidade e da fertilidade.
Com
o tempo, Áttis, um jovem e belo pastor, lhe foi associado como filho e
amante.
Representando a vegetação, anualmente morria e renascia da
deusa.
Há duas versões sobre sua morte: em uma delas, foi morto por um
javali, os porcos selvagens sendo os primeiros animais a serem
domesticados e cuja fêmea, devido à sua grande capacidade procriadora, é
um dos mais antigos símbolos de fertilidade.
Em outra versão,
castrou-se sob um pinheiro e sangrou até morrer. Violetas nasceram no
lugar em que seu sangue manchou a terra.
Os
rituais de fertilidade celebram, essencialmente, a morte da vegetação e
seu ressurgimento na primavera.
Nos mitos da terra-mãe, a vegetação é
personificada na figura do filho/amante, que morre após fertilizá-la,
condição para que um novo ciclo vital possa ocorrer. Não há separação
entre as coisas vegetais e animais, na concepção daqueles que celebram
as cerimônias mágicas relacionadas com as estações e a fertilidade
animal e humana.
Para eles, escreve James Frazer em The Golden Bough, “o princípio da vida e da fertilidade, seja vegetal seja animal, é indivisível”.
Em
sua função de abelha-rainha, Cibele é a mãe-terra, o feminino divino,
enquanto Áttis representa o zangão, o sagrado masculino que morre, após
fecundá-la.
As sacerdotisas de Cibele eram conhecidas como Melissas
(abelhas) e os sacerdotes de Áttis emulavam o destino dos zangões,
emasculando-se no momento de sua iniciação, que acontecia por ocasião
dos ritos primaveris da deusa, em que era festejado o renascimento do
filho-amante, representado pelas violetas, que floresciam entre os
pinheiros.
Com
o retorno da vegetação após um período invernal, época em que as
abelhas permanecem reclusas no interior da colmeia, e após a fecundação
da abelha-rainha, a florada primaveril atrai enxames de
abelhas-operárias para os campos e bosques floridos, a fim de colher o
néctar das flores.
Com esta sua ação, realizam o milagre da polinização,
fundamental para o surgimento dos frutos.
Imitando o enxame das
abelhas-operárias, as sacerdotisas de Cibele percorriam os prados,
inebriando-se de vida nova e realizando os ritos extáticos,
característicos de seu culto.
O
culto da Grande Mãe da Ásia Ocidental e seu filho-amante expandiu-se
por todo o mundo antigo, até alcançar Roma, de onde temos a descrição
mais detalhada do grande festival de Cibele e Áttis.
Contudo, já
inseridos em uma organização patriarcal, a ênfase dos festivais romanos
recai sobre Áttis, em sua função de zangão, e não mais em Cibele, a
abelha-rainha.
Realizado
no mês de março, um pinheiro era cortado e, como efígie do deus,
trazido para o santuário, onde era enfaixado e coberto com violetas.
Trombetas soavam no dia seguinte.
No terceiro dia, o Arquigalli,
sumo-sacerdote de Áttis, vertia seu próprio sangue como oferenda.
Mas
ele não era o único a verter seu sangue.
Incitados pela música selvagem
de címbalos, tambores, trompas e flautas, todos os galli,
jovens sacerdotes devotados a Áttis, giravam e balançavam a cabeça, até
entrar em um frenesi de auto-flagelamento, quando, indiferentes à dor,
se cortavam para aspergir o altar e a árvore sagrada com seu sangue.
No
dia seguinte, a notícia da ressurreição do deus é celebrada com uma
explosão de alegria.
Finalmente, o festival é encerrado com o banho
ritual da imagem da deusa no rio.
Em
sua trajetória desde a Anatólia até Roma, vamos encontrar o culto à
Grande Mãe da Ásia como abelha-rainha assimilado às deusas gregas.
Como
senhora dos animais, vamos encontrá-la como Ártemis.
Seu aspecto de
mãe-terra se encontra na figura de Deméter.
A cópula sagrada, núcleo de
todos os rituais de fertilidade, está presente no mito de Afrodite.
Mesmo sob diferentes nomes, contudo, seu culto permanece essencialmente o
mesmo, ou seja, a deusa como o divino feminino que é perene, fecundada
pelo sagrado masculino que anualmente morre e renasce da deusa, cujo
encontro propicia a propagação de animais e plantas, cada um em sua
espécie.
A renovação resultante sempre enseja ritos extáticos, com dança
e música, em que predomina a liberdade, a alegria e a sexualidade.